
A Evolução das Quilhas
Category : Shape & Design
O ato de deslizar sobre as ondas em uma prancha de madeira teve origem no oeste da polinésia há cerca de 3000 anos atrás. As pranchas não possuíam quilhas e a única forma de direcionar a prancha era esticando os pés e mergulhando-os na água. Mas os antigos hawaianos não se preocupavam com manobras, bastava a satisfação de se manter em pé na prancha em linha reta, enquanto as ondas os levavam até a praia.
Em 1934, Tom Blake, criador das pranchas ocas entre vários outros inventos, buscando encontrar uma forma de melhor controlar a direção de sua prancha, instalou nela um estabilizador, com base larga (12 polegadas) e pouca profundidade (4 polegadas), que se tornou o primeiro conceito de quilha: Nasceu a Single Fin.
O design das quilhas evoluiu desde então, para as formas atuais, através de grandes shapers, muito influentes em suas épocas, como Bob Simmons, George Greenough e Bob Mc Tavish, responsável pela introdução das quilhas em pranchas menores e mais leves, feitas em fibra de vidro, que então chegavam ao mercado. Foram décadas de hegemonia das monoquilhas (Single Fin) até que no início dos anos 70, quando o shaper californiano Steve Lis lançou as revolucionárias Fish, com suas Twin Fins, design que se tornou muito popular na época.
Anos depois, o surfista e shaper australiano Mark Richards, fez alguns ajustes no design da Fish e, com suas biquilhas (Twin Fins), venceu quatro títulos mundiais consecutivos (1979 – 1982), mudando para sempre a direção do surfe moderno.
Single Fin Twin Fin Thurster Bonzer Tri-Quad
Em 1981, o também surfista e shaper australiano Simon Anderson venceu duas etapas seguidas do circuito mundial, com um modelo de prancha totalmente diferente, que possuía 3 quilhas de tamanho igual. Eram as primeiras “Thrusters”, que permitiam uma linha de surfe mais radical e jogavam mais água nas manobras, mudando os rumos do surf moderno, e que predominam no mercado até os dias de hoje. Mas não podemos deixar de mencionar as populares Bonzer, design original das tri fins, criadas pelos irmos Campbell em 1970 – uma Single fin com dois (ou quatro) estabilizadores laterais.
Também no início dos anos 80, o surfista e também shaper australiano Glenn Winton (Mr.X), quase conquistou o título mundial usando em algumas etapas do circuito, pranchas com quatro quilhas. Mas o verdadeiro criador deste novo design, como nos esclarece o próprio em ordem cronológica, nas linhas abaixo, foi, na verdade, o legend brasileiro e, na época ainda shaper, Ricardo Bocão. Houve uma febre na época, mas a Thurster (Trifin) manteve sua hegemonia no mercado. Já nos anos 90, o australiano radicado em Portugal, Bruce McKee, voltou com as quatro quilhas através de seus experimentos com as quilhas de encaixe FCS, em pranchas com 05 copinhos, introduzindo o sistema Tri-quad, que permitia a prancha funcionar como thruster ou quad, de acordo com a conveniência do surfista. A Lost também contribuiu na popularização do novo conceito através da Round Nose Fish que vinha equipada de fábrica com 05 copinhos, mas o maior incentivador da popularização do sistema tri-quad nos tempos modernos foi Kelly Slater, que venceu seus dois últimos títulos mundiais, usando o sistema tri-quad em suas pranchas, para vencer eventos importantes, como em Hossegor e Backdoor Pipeline, para chegar ao título. A partir de então iniciou-se uma tendência do conceito tri-quad, que perdura até os dias de hoje; inclusive acabamos de assistir, há muito pouco tempo, o brasileiro Filipe Toledo desbancar seu compatriota Gabriel Medina, na piscina do Slater em Lemoore CA, fato que, muito provavelmente, deverá ocasionar uma nova onda do sistema tri-quad, como diferencial de fabrica dos novos modelos que serão lançados no mercado, ao longo dos próximos anos.
QUILHAS DE ENCAIXE
Na época das Single Fins, haviam as caixas de quilha, que permitiam posicionar a quilha mais para frente ou para trás, de acordo com o estilo de surfe, tipo e tamanho das ondas. Já nas últimas décadas, muitos sistemas de quilhas de encaixe tem sido lançados no mercado, que permitem todo tipo de ajustes, e com inúmeros modelos assinados pelos melhores shapers e testados por grandes surfistas, destacando-se o pioneiro sistema FCS, que continua sendo o mais utilizado em todo o mundo.
Novos materiais têm sido utilizados, como o honey comb (coremate), que proporciona quilhas mais leves, além do carbono e o composite de plástico injetado com pó de fibra. Esses materiais tem sido combinados entre si mas a fibra de vidro ainda é o material que proporciona maior impulsão e consequentemente, projeção, ou seja, a tradicional fibra de vidro continua a ser o material com melhor relação flex-deflex para o surf de alta performance.
OS SISTEMAS DE QUILHA E SEU FUNCIONAMENTO
Em termos de funcionamento, uma Single Fin proporciona manobras maior aderência, porém a prancha necessita usar mais espaço para as manobras. Atualmente é usada em longboards, e alguns modelos da linha Fun, proporcionando manobras clássicas e “nose riding” mais prolongado, em função da maior profundidade da quilha, que garante o drive e evita desgarrar a rabeta.
Já uma Twin Fin é mais comumente encontrada em modelos Retrô (Old School) e modelos para ondas pequenas. Proporciona maior agilidade na troca de bordas, possui porém, menos drive (direção), ocasionando manobras menos potentes (joga menos água). Não tem boa capacidade de pivot, ficando com drive insuficiente para ondas maiores e mais fortes.
A Thurster, criada por Simon Anderson em 1981, trouxe como principal inovação, o sistema de 03 quilhas, que continua a ser o mais popular do mundo. Proporciona maior direção e velocidade, garante maior inversão da direção da prancha e joga mais água nas manobras. É solta e segura ao mesmo tempo, tanto em ondas menores, quanto maiores. Realmente não é por acaso que continua a prevalecer no mercado após quase 30 anos de seu lançamento.
A Quad tem se mostrado uma ótima opção para alta performance. Por possuir menos arrasto, ela permite conectar as sessões com mais facilidade e menor esforço, proporcionando uma linha de surf mais limpa, como pede o surf moderno. Em ondas com pouca força, também tem se mostrado excelente opção pelo mesmo motivo. Em ondas ocas e rápidas também proporciona excelente performance, passando sessões rápidas com segurança e velocidade. Tem sido testada por inúmeros shapers e seu potencial de desenvolvimento é considerado muito grande.
Mas em termos de performance, o sistema com 03 quilhas continua insuperável, mas em alguns tipos de onda, não há como negar a funcionalidade das Quad. As quilhas dianteiras são comumente as mesmas do jogo de tri-fins, mas a triquilha traseira, por possuir duplo foil e consequente maior arrasto, por um lado, mantem a prancha mais facilmente na área crítica da onda (pocket) mas, quando tiramos a triquilha traseira e a substituímos por duas quilhas menores, com foil apenas externo (Quad moderna), obtemos uma prancha com menor drag (arrasto) em função do foil apenas externo e como as duas quilhas menores somadas possuem área pouca coisa maior do que à de uma trifin traseira, acabam por gerar mais impulsão e velocidade, tanto em ondas pequenas e fracas, quanto também em ondas mais rápidas e velozes. Considerando as funcionalidades de cada conceito, podemos então concluir que o sistema de quilhas desenvolvido por Bruce McKee garante uma prancha mais versátil e adaptável às mais diversas condições de mar, do que somente uma triquilha ou quadriquilha fariam isoladamente, de maneira que considero o sistema TRI-QUAD uma tendência que tem tudo para popularizar à cada dia mais.
A HISTÓRIA DA QUATRO QUILHAS por Ricardo Bocão
Ainda no início dos anos 80, houve uma certa polêmica em torno da autoria da criação das quatro quilhas. E quem esclarece a história para nós é o brasileiro Ricardo Bocão, verdadeiro criador do invento, que vem se consolidando como ótima opção na preferência do mercado mundial:
Fotos: à Esquerda, RB, o verdadeiro criador da quad, na areia em Itaúna, julho de 82, com janela de acrílico e figuras geométricas dentro. Foto: Nelson Veiga e à direita: 1981 – Bocão e sua testemunha no momento da criação: o Jornalista Rosaldo Cavalcante ainda moleque…
O fato é que a primeira quatro quilhas da história foi shapeada e laminada na oficina Brazilian Dreams, onde Ítalo Marcelo (Capacete) também shapeava, em julho de 1981, apenas tres meses depois do Simon Anderson chocar o mundo com a sua triquilha em Bells. E nada como ter a história narrada pelo verdadeiro criador da invenção:
“No momento exato em que eu tive a idéia, estava ao lado do Rosaldo Cavalcanti, um dos jovens surfistas que faziam parte de minha equipe na época, e hoje um jornalista respeitado que nunca se furtou de testemunhar o que ele escutou da minha boca e viu naquele dia, na calçada no Meio da Barra. Antenado, como sempre foi desde moleque, Rosaldo queria uma tres quilhas e soube que o Valdir tinha chegado da Australia/Bali com uma. Ele ligou para o Valdir pedindo a prancha emprestada para levarmos à oficina. Isso aconteceu apenas tres meses depois do Simon mostrar ao mundo a sua invenção vencendo em Bells 15 pés. Pegamos a prancha e antes de ir para a oficina na Barra, resolvi ir surfar com a tres quilhas do Valdir para tentar sentir alguma coisa dentro d’água e poder fazer o melhor possível para o Rosaldo. Levei a minha biquilha também. O mar estava meio ruim, mas deu para surfar. Enquanto o Rosaldo surfava com a biquilha dele, eu alternei, usando uma meia hora a minha biquilha e uma meia hora a triquilha McCoy do Valdir.
Na verdade, achei a triquilha do McCoy uma m… Fundo meio reto, na área da rabeta totalmente reto, sem Vbottom, nem concave, as bordas muito “box/quadradas” e duras e uma rabeta squash meio larguinha. Mas o Rosaldo queria uma igualzinha… Quando saí da água, coloquei as duas pranchas na calçada de terra batida, com o fundo para cima, os bicos apontados para mim e me afastei para ver e comparar o posicionamento das quilhas. Olhei para uma, olhei para outra e de repente, quando olhei novamente a biquilha, me veio a visão exata de duas outras quilhas atrás das quilhas grandes, um pouco mais para dentro e na mesma angulação, totalmente paralelas. Foi exatamente assim que aconteceu. .. Com o Rosaldo ao meu lado e o susto da idéia, falei: “caramba, Rosaldo, tive uma ideia…” Nem bem terminei de falar e ele retrucou: “Aí, não vem não Boca, voce vai fazer a minha prancha como eu tô pedindo, hein…”.
Em novembro de 81, Glen Winton chegava no Havaí com um quiver triquilha para ondas pequenas e outro quiver singlefin para ondas médias e grandes. Eu cheguei no mesmo mês de novembro (apenas quatro meses depois de ter criado a quatro quilhas) para competir no Pro Class Trials em Sunset e no Pipeline Masters com um quiver exclusivamente de quatro quilhas: uma 5’8”, uma 6’8” e uma 7’4”!! Tenho fotos do Gordinho comigo chegando com as pranchas ainda sem lixar as quilhas nas areias de Sunset Beach, surfando e competindo nessa temporada havaiana exclusivamente com quatro quilhas.
RB cavando em Jocko’s Havaí em 83com uma 6’6” 4Fin doublewing swallow. Foto: Gordinho
Todo mundo me zoou no gramado da casa do fotógrafo Bernie Baker, que organizava o Pro Class Trials e onde todos ficavam durante o campeonato: Randy Rarick, Shaun Tomson… Eles zoaram, mas não se esqueceram. Quando o Shaun veio aqui no ano passado para divulgar o “Bustin Down the Door”, demos risadas lembrando que ele tinha me dito (quando viu as quatro quilhas): “Porque você não coloca umas quilhas no bico da prancha também?” me zoando. O Aaron Chang fotografou os meus modelos nesse mesmo gramado e uma foto foi publicada na Surfing (com a 7’4” double wing pin), edição de Julho’82 (que saiu em março de 82), eu no meio de outros dois modelos “malucos” de quilhas na pequena matéria “zoando forte” os três modelos.
Engraçado né, uma revista americana “especializada” zoando um modelo que mais tarde seria usado por garotos modernos da California para dar aéreos, pela galera do Tow In e mais recentemente até para Guns de Waimea, como a que foi usada por Jamie O’Brien nesse último Eddie Aikau.
Por 2 anos inteiros (de Julho de 81 até Julho de 83), viajei para os campeonatos da ASP na Califórnia, África do Sul, Brasil, Hawaii, etc… exclusivamente com pranchas 4 quilhas sem ver ninguém, nem mesmo o Glen Winton com uma 4 quilhas sequer! DOIS ANOS !! Ele (o Glen Winton) competiu na minha bateria no Pipe Masters de 1982 (no meu segundo inverno havaiano, só com 4 quilhas) – tenho foto do Gordinho no briefing do “beach Marshall” antes de entrar na água (éramos seis competidores), eu com uma 6’10” quatro quilhas e ele com uma 7’2” single fin azul (tenho também no Woohoo cenas dessa bateria em 16mm filmadas pelo Curt Mastalka).
Então a possibilidade de que o Glen possa ter desenvolvido a 4 quilhas na mesma época que eu, ele lá na Austrália e eu aqui no Brasil, em meu ponto de vista é pura “balela”, de boa parte da comunidade internacional, criada dois anos depois, quando as 4 quilhas viraram febre no verão de 83 nos EUA. Uma febre curta, que durou apenas uns 8 meses (como me contou o Horácio Seixas pelo telefone dos EUA depois de ter laminado 450 pranchas quatro quilhas na California), mas foi intensa.
Ora, supondo que o Glen tivesse realmente criado a 4 quilhas antes ou na mesma época que eu, pergunto:
- Porque, entre abril de 81 (quando Simon venceu o Bells com a 3 quilhas) e novembro de 81 (quando eu apareci no Hawaii com tres pranchas 4 quilhas), não se ouviu falar nada do Glen com a 4 quilhas e não existe registro de nenhuma foto em revista ou nenhum outro lugar dele com uma prancha 4 quilhas ?
- Porque naquela primeira temporada havaiana 81/82, todos os competidores, inclusive o Glen Winton, estavam com guns single fin ? Os competidores (todos, de Mark Richards a Shaun Tomson, passando por Tom Carrol e cia…) ainda não tinham assimilado a triquilha para as suas guns. Apenas o Simon Anderson e seu pupilo Mike Newling (um escocês que morava na Australia) tinham guns triquilha e eram a sensação em termos de design na chegada ao Hawaii naquele inverno. Além deles, em termos de design diferente, eu estava com tres pranchas 4 quilhas e era motivo de chacota e zoações e o Cheyne Horan começava a tentar misturar aqueles modelos excêntricos de pranchas largas, grossas e “needle nose” do McCoy às suas guns. Porque o Glen Winton não apareceu com uma 4 quilhas no Hawaii, o melhor lugar para testar e divulgar a criação do modelo ?
- Porque o Glen Winton não foi fotografado pelo Aaron Chang (staff photographer da revista Surfing) com um modelo 4 quilhas, naquela primeira temporada havaiana, mesmo que fosse para zoar ? (resposta: porque ele não tinha nenhuma 4 quilhas no seu quiver)
- Porque o Glen Winton, depois dessa temporada no Hawaii’ 81/82, não apareceu nos campeonatos do Tour de 82 e primeiro semestre de 83, com uma 4 quilhas? Sabe quem deu a primeira visibilidade concreta, sem zoação, para as 4 quilhas no exterior ? Foi o Joey Buran e o Willy Morris juntos numa foto de página inteira, de julho de 83, na Surfing ou na Surfer, posando cada um com uma 4 quilhas, idênticas ao modelo criado por mim (mesmo outline e mesma profundidade das quilhas de trás, posicionamento das quilhas de trás em relação às quilhas da frente e em relação às distâncias das bordas). Idênticas ! E sabe porque eu escrevo com tanta propriedade ? Porque tenho, como te falei, vários slides (uns 30) com as 4 quilhas no Hawaii em 81 e de novo na temporada havaiana de 82/83 oito meses antes de ser publicada a primeira foto do Joey e do Willy Morris. Tenho também fotos no OP Pro em Huntington de 82 com uma 4 quilhas e janela de acrílico, na África do Sul, etc… Posso te mostrar com o maior prazer. Estão aqui na minha casa em Ipanema. Ainda, porque não foi o Glen o primeiro a aparecer numa revista de surf em destaque com as 4 quilhas ? Estranho, não é ?
- Por último, a informação de que o Glen quase venceu um título mundial com as 4 quilhas deve ser revista, porque na etapa de Biarritz, que ele ganhou do Potter na final, Glen estava de triquilha. O Pipe Masters que ele se destacou foi em cima de uma gun normal triquilha azul/roxa. Nunca o vi competindo regularmente com a 4 quilhas e nessa época eu estava no circuito direto.
Mas imagine você tendo uma criação sua zoada durante dois anos inteiros por quase todo mundo, no Brasil e no exterior, com você investindo toda a sua grana para viajar e competir no máximo de eventos do Tour (umas quatro viagens por ano), sendo zoado pelos estrangeiros de A a Z e ver depois a sua criação aparecer nas revistas de surf, nas mãos de dois americanos, sem menção nenhuma à você.
Depois disso, você ler histórias de que o Glen Winton foi um dos primeiros a usar, que o Glen Minami foi um dos primeiros também com as tal das “Twinzers” nos pés do Martin Potter … E depois de uns 20 anos (2005), ver novamente o modelo começando a ser usado naquelas “ Round Nose Fishs” da Lost com a molecada dando aéreos em Trestles e em toda a Califórnia, o modelo começar a fazer parte dos mais variados modelos dos shapers que finalmente abandonaram a ditadura das pranchas estreitas e finas, um dos Hobgoods vencer um evento na Califa falando maravilhas do modelo (que o shaper tentou se apropriar colocando uma rabeta “estrela”, como se o conjunto é que tivesse dado certo), ver o modelo começando a ser usado em várias pranchas de Tow In em ondas gigantes pelo mundo (quer melhor prova que o modelo tem o seu espaço do que isso ?), até chegar ao fato inusitado (isso nem eu imaginei) de o modelo ser usado em algumas Guns de Waimea, agora no Eddie Aikau!!
Detalhe importante: e você “chupando o dedo”, vendo tudo isso acontecer sem nenhum reconhecimento da mídia especializada no exterior e nem mesmo no Brasil, o seu país!
RB no Arpoador competindo na Copa CCE 82 com uma 4fin 6’0” doublewing swallow. Foto: Nelson Veiga
Sabe qual é o resultado concreto do desinteresse dos veículos de informação a respeito da figura do criador das 4 quilhas? É o Sylvio Mancusi escrevendo no Waves um texto sobre o assunto e colocando o Glen Minami (risível!) como um dos pioneiros das 4 quilhas e ainda discutindo comigo por email, duvidando da minha história e ainda tentando trazer o Cheyne Horan para o centro da discussão, ao invés de assumir a ausência de uma pesquisa dele sobre o assunto com pessoas da época (81/83) em que ele ainda não tinha idéia do que estava acontecendo no surf. O resultado concreto também é o seu esquecimento (não estou “apontando” o dedo não, numa boa) ou até a sua dúvida quanto ao fato de eu ter criado a 4 quilhas. E isso, dentro da “grande mídia especializada”, tem sido uma constante! Ao invés de irem a fundo na história para descobrir quem foi que inventou e divulgou lá atrás em 81/83, preferem dizer que foi o Glen Winton e pronto. Mais adequado aos australianos e aos da língua inglesa pelo mundo! Caro Lelot, mais uma vez, obrigado pela sua resposta sincera e, se voce chegou até aqui, obrigado pela paciência lendo isso tudo. Sem rancor nenhum, só querendo esclarecer. Não posso ficar calado. Abração, Ricardo Bocão “
Pela ênfase e coerência cronológica de suas palavras, não tenho dúvidas quanto à veracidade dos fatos narrados. Por falta de acesso a informações tão detalhadas, fiquei mesmo devendo uma para o Bocão, e espero que esta matéria possa reduzir meu débito com ele. Mas é com enorme satisfação que avalizo a grande contribuição de um dos maiores ícones do surf brasileiro no escasso rol de idéias e invenções que causaram algum impacto na evolução das pranchas dentro da história do surf, e que, no caso das quad, ainda deverão causar muito mais impacto, nos próximos anos.
Carta de Reconhecimento do Editor: “Reconheço que eu também, há alguns anos atrás, ao escrever uma matéria a respeito da história das quilhas para o site WAVES, também não possuia informações tão detalhadas e até então, para mim, o inventor das quatro quilhas, havia sido Glenn Winton mas, contudo, porém, entretanto, recebi essa carta do Bocão esclarecendo e comprovando a verdadeira ordem dos fatos, encerrando qualquer dúvida que pudesse haver com relação ao verdadeiro criador das quad… mais do que isso… Bocão não mencionou acima, mas criou também, na mesma época, o “bico de pato”, que integrava o design da sua Quatro quilhas. Quem viveu essa época, sabe do que estou falando.” (continuação abaixo…)
“Considero o Bocão um dos maiores visionários da história das pranchas à nível mundial, pois tudo o que ele criou têm se mostrado à cada dia mais atual do que nunca: Além das quad terem sido reintroduzidas pelo Slater há cerca de 10 anos atrás, estão voltando agora com força, após a vitória do Filipe Toledo sobre Medina, na Piscina do ET em Lemoore neste ano de 2021. E o seu “bico de pato”, inspirou a criação dos modelos mais futurísticos da atualidade: a NITROSK8 (saiba mais) e a CYMATIC, com a qual Slater conquistou a Triple Crown de 2019, arrebentando as ondas de Haleiwa e Sunset com 6 a 8 pés sólidos. Só me resta tirar o chapéu para o Mestre Bocão, não somente pela sua trajetória como atleta, mas também pelo seu pioneirismo e inovação que o credenciam como eterno “mito” brasileiro no mundo das pranchas e prova viva de que os shapers brasileiros sempre foram tão bons, quanto nossos atletas têm mostrado ao mundo, nos tempos atuais. Parabéns Bocão, você está entre os caras que mais admiro, em toda a história do surf brasileiro” Henry Lelot
COMO MARCAR AS QUILHAS
FUNCIONAMENTO HIDRODINÂMICO DAS QUILHAS
As quilhas são muito importantes no funcionamento da prancha, podendo tanto otimizar, quanto comprometer o funcionamento da prancha, em função de suas particularidades. Para compreender sua influencia, é necessário conhecer suas variáveis, e como estas exercem influencia na performance dentro d’água:
TEMPLATE
É a curva de outline da quilha
AREA
É a área do template projetada em duas dimensões, sendo medida em polegadas elevadas ao quadrado. A área da quilha deve estar proporcionalmente de acordo com o peso do surfista e seu grau de habilidade. Quanto mais leve o surfista, menor deverá ser o tamanho das quilhas e vice-versa. Porém, quanto maior o grau de habilidade, maior a pressão exercida sobre a prancha, e maior deverá ser o tamanho da quilha. Levando em conta essas duas variáveis o shaper deve escolher a quilha com área ideal para cada cliente.
BASE
É o comprimento da quilha onde ela encontra a prancha. Quanto maior a base, maior área a quilha terá para empurrar contra a água, e consequentemente, maior drive (direção) terá a prancha. Quanto menor a base, mais curto será o arco nas manonbras.
PONTA (TIP)
É a extremidade vertical da quilha, oposta à base. Quanto mais área na ponta, maior drive e impulsão. Quanto mais estreita, maior agilidade, porém menor impulsão.
PROFUNDIDADE (DEPTH)
É a distancia que a quilha penetra dentro da água. Afeta a segurança e o controle que a quilha tem em uma cavada ou mudança de direção. Quanto menor a profundidade, mais facilmente a prancha irá derrapar (desgarrar). Quanto maior a profundidade, maior segurança irá proporcionar, especialmente a quilha central.
CURVATURA (SWEEP)
É o ângulo medido entre a linha vertical que parte do centro da base, até o ponto mais alto da quilha. Quanto maior a inclinação do outline da quilha (para trás), mais longo é o arco da curva nas manobras. Quanto menor a inclinação, mais facilidade terá a prancha para pivotear e inverter a direção.
TENDÊNCIAS
Enfim, quilhas de base larga, ponta fina (com menos área), menor profundidade e inclinação, são ideais para ondas pequenas, por gerar maior tração (drive) – em função da base larga – liberar a água com mais facilidade – em função da ponta mais fina – derrapar sem desgarrar – em função da menor profundidade e pivotear mais facilmente, graças a menor inclinação do outline. Já para o dia a dia e ondas maiores, as quilhas podem ter a base um pouco mais estreita – para proporcionar mais estabilidade nas curvas – ponta com área levemente maior – para obter maior impulsão – profundidade proporcionalmente maior com relação ao tamanho e a força das ondas – e inclinação maior, para garantir um arco mais fluído nas curvas, como pede o surf moderno.
FOIL – É a seção hidrodinâmica da quilha no sentido longitudinal, a partir do edge dianteiro até o edge de saída. O foil afeta a forma como a prancha se move dentro d’água, gerando tanto lift (impulsão), quanto drag (arrasto). Normalmente as quilhas laterais possuem foil apenas do lado externo, o que teóricamente pode reduzir a velocidade da prancha. Com base nessa teoria, a FCS criou as quilhas laterais com duplo foil, ou seja, foil também no lado interno (inside foil), visando aumentar o lift (impulsão) e reduzir o drag (arrasto hidrodinâmico), conferindo maior segurança e velocidade à prancha; mas apesar da popularização do conceito, a teoria ainda é questionável, considerada a preferência dos competidores do WT pelas quilhas fixas com foil apenas na parte externa (half foiled) das quilhas laterais.
FLEX – É a capacidade de flexão e deflexão da quilha. Da mesma maneira que um arco e flexa, quanto maior a flexão, e mais rápida a deflexão, maior a impulsão. Quilhas com muita flexão e pouca deflexão, como o plástico, não proporcionam boa impulsão. Já o carbono possui ótima deflexão, porém pouca flexão, o que também restringe a impulsão. O Material que possui maior grau de flexão e também de deflexão é a fibra de vidro, que consequentemente possui maior impulsão entre os materiais atualmente utilizados.
CANT – É o angulo das quilhas em relação a superfície do fundo da prancha. A angulação certa – que varia em função do tipo de bottom (fundo) utilizado na área da rabeta – permite que o surfista se apóie nas bordas por mais tempo durante as curvas. Uma quilha muito angulada terá tendência a desgarrar com facilidade. Pouca angulação não permite curvas mais alongadas como pede o surf moderno.
TOE – É o ângulo das quilhas em relação a longarina da prancha. Pouca angulação ocasiona menor arrasto hidrodinâmico, e consequentemente maior velocidade, porém menor manobrabilidade. Muita angulação garante a manobrabilidade, porém ocasiona menor velocidade. A angulação ideal garante velocidade e manobrabilidade.
DISTANCIA DA RABETA
Quanto maior a distancia das quilhas em relação a ponta da rabeta, mais solta será a prancha, porém terá menos drive (impulsão/direção). Quanto menor essa distancia, mais drive, porém menor manobrabilidade.
DISTANCIA DO OUTLINE
Quanto maior a distancia das quilhas laterais em relação a linha do outline da prancha, menor será a distancia entre elas e vice-versa. Surfistas com pé pequeno em relação a sua altura, como é o caso especialmente das meninas, devem ter as quilhas posicionadas um pouco mais distantes da linha do outline, ou seja, mais próximas entre si, facilitando desta maneira, a troca de bordas.
DISTANCIA ENTRE AS QUILHAS
Quanto maior a distancia entre a quilha traseira e as laterais, maior drive (direção/impulsão), porém menor manobrabilidade. Quanto menor a distancia, a prancha ganha em manobrabilidade, porém perde em drive.
GLOSSÁRIO
LIFT – É a impulsão proporcionada pela força que a água exerce sobre as quilhas, direcionando a prancha de um ponto ao outro na onda. Quanto mais lift, maior impulsão e segurança (hold).
DRAG – É o arrasto hidrodinâmico. Quando em excesso gera atrito, freiando a prancha. Quanto menor o arrasto, maior a velocidade.
DRIVE – É a capacidade de impulsão da prancha ao se direcionar de um ponto da onda ao outro, após cada curva feita pelo surfista.
HOLD – É a segurança proporcionada pela prancha durante as curvas feitas pelo surfista. Hold em excesso tira a manobrabilidade da prancha. A falta de Hold faz com que a prancha desgarre (derrape) durante as manobras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São muitas variáveis que compõem o funcionamento da prancha. E o grande desafio do shaper é saber como equilibrar todas essas variáveis, para proporcionar ao surfista o máximo de velocidade, impulsão e manobrabilidade, com o mínimo de arrasto hidrodinâmico.